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"Verso e Pessoa", de Ricardo Martínez-Conde

Verso e Pessoa
Verso e Pessoa

Poderá servir esta breve antologia, organizada pelo autor dos poemas que a constituem, para apresentar aos leitores portugueses boa parte da produção poética de Ricardo Martinez-Conde que se exprime ora em castelhano – a sua língua de formação, assim como ferramenta para o seu trabalho de docente universitário -, ora no seu próprio idioma, o galego, que ele nasceu, em 1951, em Aldariz, no termo da estação turística de Sanxenxo.

Doutor em Filosofia, Ricardo Martinez Conde, que se estreou praticamente aos 40 anos, com o poemário Fade ou andamento lento (1990), é sobretudo a partir As discussões da noite, no ano seguinte, que a sua voz se individualiza, apartada das diversas formações e correntes poéticas em voga. Este poeta tem procedido ao tratamento de uma gama de temas como coisa sua de pensar: a paisagem não localizada no espaço geográfico, mas como provocação, as preocupações que envolvem desde a passagem do tempo, à memória e à reflexão. Curiosamente, tem também actividade como critico literário em revistas e jornais da especialidade. Aí poderemos achar mais desvelada, mas não menos densa, a linha condutora ds expressão do seu pensamento.

Leio a poesia de Ricardo Martinez-Conde com raro (e grato) prazer. E, desde cedo, que o entendo como que um filosofo, aliás a sua formação estrutura-o como um homem pleno de inquietações, utilizando na sua escrita com os necessários materiais semânticos, a ferramenta funcional. Formalmente, para além do domínio da linguagem peculiar dos povos ocidentais, podemos admirar a maestria do seu domínio desse modo que se designa por haikus. Creio não me enganar se dizer que Martinez-Conde foi o primeiro criador de haikus em galego, exactamente em 1993 com o livro Orballo de Camelias. E nesse mesmo livro, o primeiro de uma breve série em que este poeta nos d+a a expressão mais sóbria, mas não menos profunda da sua arte.

Porém, não o vemos discípulo de Bashô, mas como quem encontrou na mais extrema sobriedade a extraordinária aventura da sua expressão literária.

Os componentes da obra deste poeta não são aquilo que poderemos designar fotográficos, antes o preocupam algo tão surpreendente como a nova luz, servindo-se, repito, do paisagismo como uma primeira sugestão para as suas reflexões que nos desafiam através de uma escrita de raro rigor. E o poeta valoriza os serenos mistérios do silêncio. Tratando-se de um poeta sabedor do seu oficio, ele é um homem, um cidadão, que sabiamente faz perguntas, com as quais põe em questão a própria razão da sobrevivência.

Nas dedicatórias de alguns poemas podemos ler os nomes de alguns dos seus pequenos deuses caseiros, embora desfasados com os tempos em que viveram e escreveram uns e outros. Trata-se de gente como Robert Walser e Emily Dickinson, de um amigo que morre no mais completo anonimato e, desde, já manifesto a beleza intrínseca desse raro exemplar de poema à mãe intitulado Ela, 1920, ou o afectuoso abraço à mais viva das suas referências literárias aqui expostas, ao escritor Javier Marías.

Há uma iluminação particularmente bem engendrada nestes poemas, e como são seleccionados de vários livros, apercebemo-nos que o poeta (filósofo, peso e repito) que olha em torno e cuja voz se torna apreensiva no que pensa, no que escreve. E a motivação reside no pessoano relógio do desassossego. Li algures – e isto é-me sugerido pelo poema intitulado A praia, algo que se anota com ganho na aproximação ao poeta que assim falou, Martinez-Conde diz-nos: «O mar tem um componente dialéctico muito importante, imprescindível: por vezes está embravecido, outras como… como se respondesse filosoficamente a perguntas vitais.»

Vejamos, pois, o que poderemos exrair desta hipótese deixada por Paul Eluard: «Victime de la philosophie, l’univers le hante» O universo do assombro, pois então.

E regressamos sempre com estes versos aos braços do silêncio que nos envolve, apesar de tudo. O silêncio que confina o discurso na aparência e, afinal, o solta com a maior liberdade, e é algo semelhante que que vamos observar adonde nos levam os haikus. Ouçamos, por um instante o nosso velho Wenceslau de Morais que, no Relance, da alma japonesa, ele que viveu em tensão e na observação deste modo de fazer poesia: «a poesia japonesa não é, nem pode ser, uma descrição, é uma sugestão: não aspira ao completo acabamento de uma ideia, antes prefere limitar-se a enunciar-lhe o início, deixando o resto para ser adivinhado». Tendendo a formas extremamente abreviadas, a poesia de Martinez-Conde experimentou também o aforismo, o aforismo que ele próprio disse ser «a aristocracia do pensamento, o haiku da imaginação, tudo sob a aceitação da dignidade da palavra como mensagem, como significação». E valha que o haiku, mas de um modo mais canónico, foi praticado na Galiza pelo grande Uxio Novoneira, mas trata.se, ainda, de um outro caso aparte.

Seguindo a sequencia biográfica, mencione-se aqui o reconhecimento deste poeta pelos seus pares. Ele recebeu, ao longo da sua discreta carreira literária o Premio Benasque de Poesia, o Prémio Hernandez Portela de Jornalismo e uma menção honrosa no no conto que enviou para Prémio Internacional Jorge Luis Borges, que deu relevo à sua maestria como ficcionista. Ora isto fez com que Martinez-Conde publicasse em 2011 o volume La Luz en el cristal.

Eis, pois, como um homem vai cumprindo a sua missão, Sigamo-lo com o prazer devido aos seus poemas.

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